Redesenho de Processos


 

Processos de trabalho no setor público: gestão e redesenho

 

Prof. José Carlos Vaz (EACH-USP)

 

 

 

Neste artigo são apresentados os principais pontos de atenção dos gestores públicos no que diz respeito à gestão de processos de trabalho no campo das políticas públicas. Após uma revisão da conceituação de processo, são apresentados os principais desafios para a gestão de processos e as mais importantes decisões envolvidas. O redesenho de processos é tratado como operação que envolve uma criteriosa preparação, incluindo priorização e decisão, planejamento da intervenção e definição de diretrizes de ação. As etapas e fatores críticos para o redesenho de processos também são apresentados e analisados.

 

 

Introdução - O que é um processo?

 

 

Segundo Davenport (1994), “um processo é um conjunto de atividades estruturadas e medidas destinadas a resultar em um produto especificado para um determinado cliente ou mercado (...) é uma ordenação específica das atividades de trabalho no tempo e no espaço, com um começo, um fim, e inputs e outputs claramente identificados: uma estrutura para a ação.”

 

Essa forte articulação da idéia de processo de trabalho ao fornecimento de um produto com clientes específicos também é amparadas por Gomes (2006), que afirma que “os processos correspondem a um conjunto de recursos e atividades inter-relacionados que recebe insumos e transforma-os, de acordo com uma lógica pré-estabelecida e com agregação de valor, em produtos-serviços, para responderem às necessidades dos clientes”.

 

Os processos, assim, podem ser entendidos como elementos centrais da operação das políticas públicas.  Uma vez que as políticas públicas implicam ações do poder público, normalmente complementadas por um conjunto de atores da sociedade ou do Estado, também implicam a operação de processos que tornem estas ações viáveis, eficientes e eficazes.

 

Processos apresentam algumas características muito claras. Uma primeira delas é a delimitação: têm um começo e um fim claramente estabelecidos. Em geral,  os processos tendem a articular-se entre si no interior de uma organização ou no âmbito da cadeia de suprimentos de uma políticas pública, envolvendo várias organizações. Com isso, normalmente o fim de um processo é o evento de disparo (início) de outro  processo. Isto faz com que a intervenção de redesenho de um processo leve em conta essas ligações com outros. Dificilmente é possível alterar apenas um processo, isoladamente. Por exemplo, não é possível alterar o processo de gestão de estoques de suprimentos  sem intervir também no processo de sua aquisição.

 

Uma vez que os processos vinculam-se a objetivos claros, eles têm clientes, produtos, insumos e fornecedores claramente definidos.

 

Para que se compreenda o funcionamento de um processo e, a partir daí, seja possível empreender melhorias ou redesenho do processo, é preciso analisá-lo, identificando seus componentes. Os principais componentes de um processo são:

 

Valendo-nos da abordagem sistêmica, um processo pode ser entendido com um tipo particular de sistema que pode ser encontrado nas organizações. Em algumas situações, há quase uma total coincidência entre um processo e um sistema de informações. Na verdade, a  operação de qualquer processo está baseada em um ou vários sistemas de informações, por mais simples e informais que estes sejam. Ao mesmo tempo, a  alimentação e a operação de um sistema de informações dependem de um ou mais processos específicos.

 

A abordagem sistêmica também auxilia a compreender os processos e a desenvolver uma capacidade analítica de identificar os vários níveis de relacionamento de um processo. Geralmente, os processos fazem parte  de macroprocessos, que podem ser definidos como agrupamentos de processos baseados em suas características intrínsecas (mesmos insumos, produtos assemelhados, processamento correlato) e com objetivos articulados entre si ou um único objetivo compartilhado. Uma organização ou a cadeia de suprimentos de uma política pública normalmente tem um pequeno número de macroprocessos.

 

Se, por um lado, os processos podem ser vistos como partes de um macroprocesso, também podem ser subdividios em atividades: unidades de processamento parcial de um determinado processo. Em geral, seus produtos são produtos intermediários do processo.

 

Uma distinção importante a se fazer, especialmente na Administração Pública, é entre projetos e processos. Processos são atividades contínuas, estruturadas e rotineiras. O processamento de um caso ou evento  tem começo e fim, mas o processo mantém-se “indefinidamente”, pois repete-se para outros casos. É o caso da emissão da carteira de identidade: o processo permanece existindo após a emissão de uma carteira individual, e será repetido na emissão da carteira de identidade do cidadão seguinte.

 

Já um projeto, entendido não somente como plano para implementação de algo, mas como conjunto de atividades, como normalmente é usado na administração pública,  articula um conjunto de atividades não contínuas e não rotineiras. Ao terminar o processamento da implantação do projeto, o projeto está encerrado. A : implantação de uma central de atendimento ao cidadão para emitir carteiras de identidade é exemplo de um projeto. Uma vez inaugurada a central, e os processos nela previstos passando a ser operados, o projeto está encerrado.

 

Ao se pensar na gestão ou no redesenho de processos, é necessário levar em conta que os processos não existem descontextualizados. Não caem do céu. Processos estão vinculados a organizações ou a redes de organizações articuladas na cadeia de suprimentos de uma políticas pública. São operados por pessoas concretas, inseridas em um ambiente social. Portanto, os processos estão expostos à influência da cultura organizacional, dos objetivos  e estratégias organizacionais, às normas e políticas organizacionais. Da mesma forma, estão submetidos a um ambiente, incluindo a regulação interna e externa das organizações, a tecnologia disponível, os condicionantes econômicos, culturais, sociais etc.  Não é possível analisar um processo sem identificar claramente suas relações com o ambiente interno e  externo das organizações a que pertence.

 

 

 

1. Gestão de processos

 

A gestão de processos é uma atividade necessária para garantir que estes atinjam seus objetivos e mantenham-se eficazes e eficientes, maximizando os produtos com o mínimo de insumos. É uma responsabilidade central dos gestores buscar a otimização do processo e fazer mais com menos recursos.

 

Para que tais propósitos se materializem, é preciso que a gestão mantenha o foco na criação de valor pelo processo. Ou seja, o processo precisa voltar-se para atender as demandas de seus clientes, sejam eles clientes internos ou externos. Nesse sentido, a gestão de processos é um excelente instrumento para reverter a tendência à constituição de burocracias auto-centradas no setor público.

 

Do lado da eficácia, isto demanda um permanente controle de qualidade de insumos e produtos, com a mensuração de resultados em função das metas que assegurem a concentração do foco no atendimento da demanda do cliente do processo.

 

Do lado eficiência, exige que os gestores dediquem atenção à eliminação de tarefas desnecessárias, ou seja, aquelas que não agregam valor aos clientes do processo, sejam eles internos ou externos à organização. É o caso de controles em duplicidade e do fornecimento ou solicitação de informações não necessárias para o processamento.

 

As principais decisões na gestão de processos em políticas públicas se dão nos campos dos recursos humanos, organização do trabalho e tecnologia da informação.

 

a) Decisões sobre recursos humanos:

 

-        Terceirização vs. equipe própria (exemplo: Poupatempo)

 

-        Composição e perfil da equipe e estruturação de carreiras  (ex.: fiscalização de serviços públicos por agências reguladoras)

 

-        Estratégia de capacitação e educação continuada da equipe  (ex.: pregão eletrônico)

 

-        Formas de remuneração (fixa ou variável) e outras formas de incentivo (ex.: gestão escolar)

 

 

 

b) Decisões sobre organização do trabalho:

 

-        Definição de entradas a requisitar, como a seleção dos documentos solicitados para acesso a serviços públicos;

 

-        Definição de produtos a entregar, como no caso do serviços prestados no atendimento nos centros de atendimentos social;

 

-        Ordenamento das atividades do processo: como na definição das etapas do processo de aAbertura de empresas para reduzir o tempo necessário;

 

-        Controle de qualidade das atividades do processo, como é o caso da implantação do sistema de avaliação do atendimento ao público nas agências da Previdência Social;

 

-        Registro de informações, antes, ao longo do processamento e após entrega do produto, como no caso dos sistemas de informações tributárias

 

 

c) Decisões de tecnologia:

 

-        Aplicação de tecnologia a atividades do processo: é o exemplo da decisão de uso da internet para declarações de imposto de renda;

 

-        Automação de atividades e utilização de dispositivos,  como a utilização de palm-tops para fiscalização e multas;

 

-        Arquitetura  de sistemas, como no caso do cadastro do bolsa-família, cuja arquitetura permitiu a centralização do controle da política;

 

-        Sistemas de informações gerenciais requeridos ou alimentados pelos processos: pode-se citar o exemplo da integração de sistemas estaduais de cobrança de infrações de trânsito.

 

 

 

 

2. Redesenho de processos

 

A gestão os processos muitas vezes atinge o limite de sua capacidade de maximizar sua produtividade. Condições estruturais, novos objetivos e estratégias organizacionais, transformações da base tecnológica, alterações de expectativas dos clientes, mudanças legais, obsolescência de sistemas e equipamentos e outros motivos podem levar à identificação da necessidade de realizar transformações estruturais nos processos, o chamado redesenho dos processos.

 

A decisão de redesenhar processos exige uma cuidadosa reflexão prévia. É preciso ter clareza dos benefícios pretendidos e estabelecer diretrizes e orientações gerais quanto às expectativas para os processos redesenhados. Além disso, face ao alto nível de integração e interrelação que os processos organizacionais costumam ter, normalmente é necessário recorrer a algum tipo de priorização. Especialmente em organizações muito grande e complexas, ou em cadeias de suprimentos de políticas públicas que envolvem um grande número de organizações, é impossível intervir em um número muito grande de processos simultaneamente, exceto em algumas situações onde uma tecnologia totalmente nova é implantada, normalmente através de um novo sistema de informações integrado.

 

Supõe-se que o redesenho de processos produza benefícios concretos como a promoção de mudanças de vulto nas práticas de trabalho da organização; a Incorporação de novos valores, novas tecnologias e novos princípios; e a ampliação significativa da eficiência e da eficácia dos processos.

 

Entretanto, diferentes caminhos podem ser escolhidos. Por exemplo, pode ser necessário escolher entre um novo desenho do processo baseado na aplicação de um volume significativo de recursos em tecnologias de ponta ou no emprego de tecnologias menos avançadas somado a um investimento pesado em capacitação de equipe.  Esse  estabelecimento de orientações gerais para a tomada de decisão deve presidir todas as ações do redesenho do processo.

 

É possível apontar alguns exemplos de diretrizes de redesenho que podem ser adotados:  

 

 

2.1 Seleção de processos prioritários para redesenho  

 

A seleção dos processos prioritários para redesenho implica uma visão estratégica dos processos da organização. Isto exige a compreensão de quais são os objetivos e estratégias da organização, a identificação dos fatores críticos para o sucesso da estratégia e a definição de quais são os processos com maior impacto sobre esses fatores críticos. É pouco recomendável investir uma grande energia em um processo que tem pouco impacto estratégico, se há outros, de maior impacto, que também poderiam ser revistos.

 

Assim, a importância estratégica dos processos assume um lugar de destaque no processo de seleção de prioridades para redesenho.

 

ROTONDARO (2006, p.40) aponta dois critérios centrais para a seleção de projetos a redesenhar: a importância estratégica do processo e o seu  desempenho atual. Processos de baixo desempenho e alta importância estratégica são naturalmente os objetos prioritários de intervenção. É possível estruturar uma matriz para classificação dos processos, como apresentado abaixo na Figura 1.

 

 

 

Figura 1 – Matriz Desempenho x Importância Estratégia dos Processos (adaptado de ROTONDARO, 2006).

 

 

A análise dos resultados dessa matriz pode ser completada com outras iniciativas:

 

 

2.2 Etapas do redesenho

 

2.2.1 Elaboração do projeto de redesenho:

 

Nesta etapa, é elaborado um projeto de redesenho que deve orientar as aç ões posteriores. Este projeto deve prover à equipe envolvida definições sobre: escopo do trabalho; método; responsabilidades; produtos e cronograma. O projeto também deve estabelecer parâmetros de desempenho do processo após seu redesenho.

 

Esses parâmetros de desempenho, sempre que possível, devem ser expressos através de indicadores de desempenho. Podem referir-se a necessidades dos clientes, como,  por exemplo, a redução de prazo de atendimento; ou a demandas e diretrizes institucionais, como a redução de custos unitários dos serviços.

 

 

2.2.2 Mapeamento do processo:

 

O mapeamento do processo é a atividade que se realiza para levantar informações completas acerca do funcionamento do processo, em suas múltiplas dimensões, para permitir a posterior análise e crítica. Esta etapa inclui:

 

  Identificação da missão do processo.

 

  Caracterização do processo, com a identificação dos limites do processo, fornecedores, entradas, processamento, saídas, clientes e suas necessidades, eventos de disparo e de conclusão.

 

  Registro do fluxo do processo: representação gráfica da maneira como o processo é executado, inclusive com a decomposição do processo em subprocessos e/ou atividades: permite identificar as atividades componentes do processo, suas entradas e saídas, as responsabilidades e áreas funcionais envolvidas no processamento.

 

 

 

2.2.3 Análise e crítica do processo

 

Uma vez mapeado o processo, procede-se à identificação das disfunções do processo. As disfunções mais comuns são:

 

     Inadequação de entradas e saídas;

 

     Falhas na padronização de informações;

 

     Tempos de espera (fluxo parado);

 

     Deficiências nas normas;

 

     Encadeamento indevido de atividades;

 

     Atividades que não agregam valor;

 

     Retrabalho;

 

     Insuficiência de recursos (pessoal, equipamentos, instalações etc.);

 

     Sobrecarga ou ociosiodade de unidades funcionais e trabalhadores envolvidos.

 

 

As disfunções, uma vez identificadas, devem ser priorizadas, pois é comum não ser possível resolver todas, por questões de viabilidade ou oportunidade. Para a priorização, é necessário combinar gravidade da disfunção, urgência na solução e tendência no caso da inação sobre ela. Essa é a chamada ferramenta GUT, apresentada no quadro abaixo:

 

Quadro 1 – Ferramenta GUT

 

 

 

 

2.2.4 Análise de stakeholders (partes interessadas)

 

Trata-se, aqui, de identificar quais são as partes interessadas no desempenho do processo e qual é seu envolvimento no processo. Especial atenção deve ser dada ao impacto (positivo ou negativo) da operação e dos resultados do processo sobre os stakeholders e, por outro lado, ao  impacto (positivo ou negativo) dos stakeholders sobre o processo.

 

2.2.5 Identificação e seleção de possibilidades de melhoria do processo

 

Tendo sido concluída a análise e crítica do processo, é possível proceder à Identificação e seleção de possibilidades de melhoria do processo. Normalmente essas melhorias envolvem:

a) Revisão das atividades:

 

b) Mudanças em normas

 

 

c) Revisão das entradas e saídas

 

d) Incorporação de TI

 

e) Adequação de recursos humanos

 

f) Adequação de infra-estrutura

 

 

2.2.6 Projeto de novo processo

 

O projeto do novo processo, redesenhado, deve fornecer informações para o processo de desenvolvimento de soluções informatizadas, para a capacitação da equipe e para os gestores do processo. O projeto deve conter:

a)    Especificação do novo processo

 

b)    Fluxograma redesenhado

 

c)    Relação de melhorias do processo

 

 

d)   Plano de implantação

 

 

 

 

2.3 Fatores críticos de sucesso de uma iniciativa de redesenho de processos

 

O redesenho de processos requer um conjunto de fatores atendidos para que possa vir a ser bem-sucedida. Entre os fatores mais relevantes pode-se destacar:

 

Especialmente no setor público, os riscos de insucesso são muito grandes, pelas dificuldades legais, indisponibilidade de recursos, incertezas políticas e descontinuidade administrativa. É elevado o custo de iniciar um processo de redesenho de processos e interrompê-lo, ou de concluí-lo sem não lograr implantar as modificações previstas de forma a garantir efetivos ganhos de eficiência ou eficácia do processo. Não se trata somente do prejuízo financeiro, mas, principalmente,  de desmobilização e resistência a novas iniciativas empreendidas futuramente.

 

Referências bibliográficas

 

DAVENPORT, T. Reengenharia de processos. S. Paulo, Campus, 1994.

GOMES, C. Organização e gestão por processos. S. Paulo, Fundap, 2006.

LAURINDO, F. & ROTONDARO, R.  Gestão Integrada de processos e da TI. S. Paulo, Atlas, 2006.

ROTONDARO, R. Identificação, análise e melhoria de processos críticos. In: LAURINDO, F. & ROTONDARO, R., 2006.